ANOTAÇÕES E DADOS SOBRE ESTRUTURA TRIBUTÁRIA


 

A tributação pode ser considerada uma forma de intervenção do Estado no mercado, tendo em vista transferir e (re)distribuir renda entre setores e/ou espaços econômicos. Por exemplo, as construir e manter serviços públicos de saúde (como Postos de Saúde e Hospitais) ou de educação (em todos os níveis escolares), o Estado oferece saúde aos que não podem pagar para acessar tais serviços.

 

Tributando os que possuem renda e alocando os recursos obtidos via impostos, contribuições e taxas nas atividades que podem atender àqueles e àquelas que não o podem fazer, o Estado pode gerar efeitos positivos para a sociedade, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico

 

Um sistema tributário é aquele conjunto de instituições e mecanismos que permitem ao Estado gerenciar o recolhimento financeiro direto ou indireto de tributos, contribuições e taxas, com o intuito de suprir a oferta de bens e/ou serviços essenciais para a população, ou estimular o crescimento de determinadas regiões ou setores de atividade econômica e social.

 

A tributação é chamada direta quando incide, especialmente, sobre a renda e o patrimônio. Ela é indireta, inversamente, quando incide principalmente sobre o consumo.

 

Quanto maior for a participação das pessoas e empresas com maior renda ou riqueza na contribuição tributária total para financiamento das atividades públicas do Estado, mais direta e progressiva é a tributação. Quanto mais indireta for a tributação, maior será o nivelamento da participação das pessoas e empresas, independentemente da sua riqueza, e ocorre o que se define como regressividade do sistema tributário.

 

A tributação direta também pode produzir regressividade, se não forem adotadas medidas tributárias que onerem mais quem ganha mais, por exemplo.

 

Esse movimento de arrecadar (via tributação) e gastar (via despesas públicas) deve ser administrado adequadamente, pois, se os gastos dependem da arrecadação, se o fluxo não for bem gerido, poderão ocorrer situações de déficit (despesas maiores do que receitas) – ou, mesmo, de superavit (receitas maiores do que despesas), o que colocará em discussão como gastar o que sobra.

 

A razão entre a soma das arrecadações dos entes públicos da nação (no nosso caso atual, o federal, os estaduais e os municipais e o Produto Interno Bruto (PIB) é denominada Carga Tributária. A carga tributária brasileira tem se comportado da seguinte maneira, recentemente:

 

Evolução da Carga Tributária Bruta brasileira entre 1990 e 2021

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Fonte: https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/series-historicas/carga-tributaria/carga-tributaria-1990-2021

 

A estimativa da carga tributária bruta nacional, para 2021, de acordo com os dados apresentados pelo gráfico anterior, foi de 33,9% do PIB, o maior valor desde 1990. Segundo o Observatório de Política Fiscal da FGV, deve ser ressaltado que esse valor elevado ocorreu sem que tenham sido introduzidas mudanças relevantes na legislação tributária, bem como que tal aumento não reflete aumento estrutural de arrecadação. Basicamente, o que explica essa elevação foi a alteração na participação dos setores econômicos na geração do PIB, em função da pandemia; a aceleração da inflação; a elevação do imposto de renda da pessoa jurídica e do ICMS em decorrência da recuperação industrial, do aumento dos preços de serviços públicos e de combustíveis.

 

Por outro lado, não se pode dizer que a carga tributária brasileira seja a maior do mundo, argumento tipicamente contra a intervenção estatal na economia. O gráfico em seguida apresenta a comparação entre 37 países componentes da OCDE e o Brasil:

 

https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO_ANEXO:7396

 

Dentre os países apresentados, o Brasil só tem carga tributária maior do que dez... e deles, apenas três (Turquia, Chile e México) podem ser apontados como sendo econômicas “em desenvolvimento”...

 

Do ponto de vista do bem-estar da sociedade, então, as questões importantes não são o tamanho da carga tributária, e sim as seguintes: como se arrecada (direta ou indiretamente, progressiva ou regressivamente) e o que é feito com os recursos arrecadados (quais investimentos públicos? Quais estímulos para quais pessoas e setores da sociedade e da economia?).

 

O gráfico em seguida ilustra a composição da carga tributária no país, exemplificando a sua regressividade:

 

https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO_ANEXO:7396

 

Os dados mostram que os impostos sobre renda, lucros e ganhos de capital foram de, no máximo, 7,41% (em 2019), enquanto os que incidem sobre bens e serviços (produção e consumo) foram de, no mínimo, 13,59% (em 2018), tendo chegado a quase 15% em 2010.

 

Estudo realizado por Silveira et al. (2020), sobre os impactos redistributivos das transferências públicas e da tributação direta relativos ao período 2017-2018, revelou que a reduzida participação dos tributos sobre a renda e o patrimônio e o reduzido efeito redistributivo da tributação direta sobre um indicador de concentração da riqueza (o denominado Índice de Gini) são ilustrativos dos “bloqueios que as elites e as classes médias erigem contra a progressividade tributária. Bloqueios que se fazem presentes no legislativo, onde mudanças no IPTU são usualmente rechaçadas, e no judiciário” (1).

 

Já o gráfico seguinte apresenta a evolução do investimento público, como percentual do PIB brasileiro:

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/series-historicas/investimentos-publicos/investimentos-publicos-1947-2021

 

O que se observa é que à exceção do período que corresponde às décadas de 1960 e 1970 (Era de Ouro do capitalismo mundial e do nacional desenvolvimentismo militarizado brasileiro) e dos anos 2010-2015 (governos Lula e Dilma), o investimento público sempre foi reduzido, inferior a quatro por cento do PIB e decrescente.

 

Outro dado interessante é o que revela o péssimo retorno da carga tributária brasileira. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário desenvolveu um Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade - quanto maior o valor desse indicador, supõe-se que melhor é o retorno à população dos gastos em serviços de saúde, educação e outros que afetam a expectativa de vida, e que compõem o IDH. Em comparação com trinta países com a maior carga tributária, o Brasil está em último lugar no ranking – ou seja, possui carga tributária elevada e baixo Índice de Desenvolvimento Humano:

 

Uma imagem contendo Gráfico

Descrição gerada automaticamente

https://investnews.com.br/economia/brasil-tem-o-pior-retorno-de-impostos-a-sociedade-segundo-estudo-veja-ranking/

 

A questão da relação entre a desigualdade na distribuição da riqueza e a regressividade da tributação é complexa, sobretudo do ponto de vista metodológico. Ao apresentar a existência de relações entre distribuição e tributação, não se pode reduzi-las apenas à existência ou não de gastos públicos redistributivos (tais como programas de transferência de renda), ou simplificar exageradamente os dados relativos aos componentes da renda e das despesas de pessoas e empresas, assim como sobre a política tributária e seus mecanismos de incentivos seletivos para classes de renda, gênero, cor, educação, vínculo profissional etc.

 

De toda forma, sinteticamente, pode-se afirmar que no caso brasileiro, historicamente, o sistema tributário tem se caracterizado por quatro aspectos centrais:

1) o controle do sistema tributário pelo ente político central (Metrópole, Império, Federação);

2)a desvinculação entre arrecadação e gastos para atender às necessidade públicas sociais;

3) o predomínio da tributação indireta;

4) a regressividade do sistema entre as pessoas, empresas, setores de atividade econômica e regiões.

 

Em suma, desde o século XVI, quando fomos inseridos na lógica da política ultramarina portuguesa, pagamos tributos para financiar as atividades do Estado e dos grupos sociais a ele associados e ou por ele protegidos. Os pobres, as empresas de menor tamanho e capacidade econômica e os setores e regiões com menor infraestrutura econômica pagam mais tributos do que os ricos, as maiores empresas e os setores e regiões dotados de maior e melhor infraestrutura econômica.

 

Por essas razões, pode-se dizer que a tributação e a distribuição da riqueza (ou renda) estão intimamente associadas. Nesse sentido, também, pode-se dizer que uma distribuição desigual da renda é perpetuada por uma estrutura tributária também desigual.

 

De acordo com estudo do Ministério da Fazenda de 2019, os 20% dos domicílios mais ricos do país se apropriou de 53% das transferências de aposentadorias e pensões. No extremos oposto, os 20% dos domicílios mais pobres do país se apropriaram de apenas 2,5% das transferências previdenciárias. Outro exemplo, extraído do mesmo estudo, é o que compara a concentração da renda antes e após a tributação direta sobre a renda e as transferências governamentais para a sociedade: os dados revelam que o Brasil detém um grau de concentração da riqueza antes e após as transferências e a tributação maior do que 35 países componentes da OCDE (2).

 

A desigualdade depende, claramente, da redução da participação percentual dos mais ricos na renda. Não adianta defender que o “crescimento do bolo” levará a melhor distribuição. Se o “cresce”, mas a forma de partilha dele é a mesma, resta apenas a retórica. Para reduzir progressivamente a participação dos mais ricos, é fundamental tributá-los mais, e os instrumentos tributários mais importantes nesse sentido são os impostos sobre a renda e o patrimônio, com a aplicação de maior tributação dos rendimentos do capital das pessoas físicas, redução de isenções e deduções, criação de alíquotas superiores no IRPF e aplicação de alíquotas progressivas nos impostos sobre a propriedade, em especial a urbana.

 

Isso significa introduzir na agenda política do desenvolvimento e da erradicação da pobreza o debate sobre a progressividade tributária no país. Tendo em vista o apresentado até aqui, a conclusão de Silveira e Vianna (2020) é pertinente:

[...] a efetiva mitigação da extrema desigualdade brasileira é uma questão de economia política. Demanda, assim, uma coalizão política e social comprometida com uma estratégia nacional de desenvolvimento que envolva, entre outros elementos, um arranjo institucional de políticas macro e microeconômicas redistributivas em que a gestão da moeda, do crédito e da dívida pública esteja coordenada com uma política fiscal baseada em uma estrutura tributária progressiva, gastos sociais focalizados (Benefício de Prestação Continuada, Bolsa Família etc.) e, não menos importante, gastos sociais universais em saúde e educação. Requer, portanto, mais Estado, e não menos. (3)

 

Notas:

(1) SILVEIRA, Fernando Gaiger et al. Impactos redistributivos das transferências públicas monetárias e da tributação direta: o que revela a POF 2017/18. 48º Encontro Nacional de Economia. Brasília: 2020. Disponível em https://www.anpec.org.br/encontro/2020/submissao/files_I/i5-65b9ee59690ebba073c63998535adbe3.pdf

 

(2) MINISTÉRIO DA FAZENDA. Efeito redistributivo da política fiscal no Brasil. Brasília: dezembro de 2017. Disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/boletim-de-avaliacao-de-politicas-publicas/arquivos/2017/efeito_redistributivo_12_2017.pdf

 

(3) SILVEIRA, Fernando Gaiger; VIANNA, Salvador Teixeira Werneck. Um passo à frente, dois atrás: notas críticas a “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”, de Arminio Fraga. Novos estudos CEBRAP [online], v. 39, n. 2, p. 349-369, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.25091/s01013300202000020006

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